2020/04/18

Bergman e os sons diegéticos

A diegese é a realidade interna da narrativa. Para uma história ser contada, ela depende da união de dois universos: o universo dos personagens, ou diegético, e o universo para além deles, ou não-diegético. 

As músicas fazem parte do cinema desde (quase) o seu princípio, sendo em geral não-diegéticas; elas servem aos espectadores, e não aos personagens. Quando ainda não era possível a gravação de sons junto das imagens, pianistas - e até orquestras, em alguns casos - eram contratados para executar seus instrumentos junto à exibição do filme, auxiliando a compreensão da plateia.

É tão natural o costume de perceber as músicas em uma obra audiovisual como um guia, uma indicação de sentimentos, de intenções, de contexto, que quando isso é retirado de uma obra, apesar de torná-la mais fiel à nossa realidade, nos traz uma imensa estranheza. E é exatamente isso que Ingmar Bergman faz em seu Sonata de Outono, ou, no original, Höstonaten [1978, Suécia].

A obra retrata um curto período de convivência entre Charlotte, uma grande musicista que praticamente abandonou a família em busca de fama, e sua filha, Eva. Mesmo com um contexto musical, somente duas músicas são executadas durante os 87 minutos de filme e, ainda assim, de maneira diegética, o Prelúdio Op. 28, nº 2 de Chopin - que dá nome ao filme - interpretado de duas formas diferentes pelas protagonistas ao piano em uma das cenas que melhor descreve a natureza de sua relação, e a Suíte nº 4 em Mi bemol de Bach, interpretada ao cello por um outro personagem bastante relevante à trama.

Bergman utiliza somente os sons de cena como efeitos e somente a execução dos instrumentos pelos personagens como inserções musicais. Nada é ouvido que não seja visível em tela. Não existe música para quebrar a tensão nem para elevá-la. Não existe música para facilitar a transição de quadros. O que se ouve são somente os passos, as conversas e os lamentos dos personagens.

O filme soa cru, assim como nossa vida. Sem dúvida uma escolha ousada e maravilhosa que precisa ser apreciada por quem se interessa pelo universo audiovisual.


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Pretendo continuar estudando a evolução da diegese em Bergman, pois parece ter sido um processo criativo que foi evoluindo com o tempo. Se você conhece outras obras que utilizem sons diegéticos de maneira semelhante, por favor, comente.

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