2012/10/23

Maya


Dormir é pouco, eu quero é não acordar
Quero continuar vendo o mundo com olhos de sonhos
E, quando já for tarde, saber que tudo vai mudar

Quero saber que nada realmente importa, nem o medo nem a dor
Que o que vivo já nada tem a ver com o que passou
Que o horizonte tem a cor do que sinto
E o que sinto já não depende de ninguém além de mim

Quero ter a certeza de que controlo todos os meus atos
Exceto aqueles que por minha opção deixo ao acaso decidir
Quero viver a eternidade do que é belo e puro
Exercer a força de não me fechar ao mundo, nem tampouco hesitar

Sonhar um mundo de realidades
Criar um mundo onde os sonhos nunca tragam a dor dicotômica do não-sonhar

Onde sejam apenas uma ponte,
Um caminho incessante,
Para um belo horizonte
Da mais completa certeza do enfim realizar

2012/09/09

""É uma vigília de morte", Carl me disse calmamente. "Vou morrer." "Não", protestei. "Você vai vencer desta vez, assim como já venceu antes, quando tudo parecia sem esperança." Ele se virou para mim com aquele mesmo olhar que eu tinha visto inúmeras vezes nos debates e brigas de nossos vinte anos de trabalhos em conjunto e amor apaixonado. Com uma mistura de fino bom humor e ceticismo, mas, como sempre, sem nenhum vestígio de autopiedade, disse ironicamente: "Bem, vamos ver quem tem razão desta vez"."

Bilhões e bilhões, Carl Sagan
Epílogo (por Ann Druyan)

2012/08/12

"O mundo chegou pelo correio. Estava marcado "Frágil". No embrulho, havia um adesivo com a figura de um pequeno globo partido. Eu o abri cuidadosamente, temendo ouvir o tilintar de cristal quebrado ou descobrir cacos de vidro. Mas estava intacto. Com as duas mãos, tirei-o da caixa e o ergui à luz do sol."

Bilhões e bilhões, Carl Sagan
Cap. VII, O mundo que chegou pelo correio

2012/05/27

Branco

Eu deveria deixar linhas não-escritas
E, nos poucos papéis manchados
Embrulharia presentes, sonhos, passados...
E nada, além disso, seria como quis;
Como, de certo, só eu o sei.

Eu deveria deixar caminhos não-traçados
E, no pouco tempo que me restasse,
Percorria, em sonhos, outros mundos;
Em profundos devaneios
Que, de certo, só os meios para me perder.

Quando acordado racionalizando um por quê
Para caminhar por onde abandonei,
Para escrever as linhas em branco,
Me pego em tantos outros motivos contrários
Que, de certo, como só eu sei, não há meios para esquecer.

Eu apenas deveria deixar tudo em branco;
Passar em branco minha vida.
Aí sim saberia que foi bem vivida,
Sem alterar nada nem ninguém ao meu redor.
Ou melhor, sem sujar o existir.

2012/05/21


"Só na harmonia da música, nas rítmicas cadências da melhor poesia ou nas linhas de uma grande obra de arte, pode a alma humana apanhar um vislumbre do verdadeiro amor nos degraus superiores do plano astral. Essas coisas dão às vezes à alma alguns indícios, embora fracos, do que a alma realmente experimenta naqueles elevados planos de existência. E é esta uma das razões porque a música, a arte e a poesia nos elevam acima do ambiente material em que nos achamos."

A vida depois da morte, Yogue Ramacharaca
Cap. XIV, Os companheiros do astral

2012/04/17

Superficial

Ontem eu buscava uma razão por que ainda não encontrei o que busco. Por mais que eu olhe no fundo do lago e nele veja refletido o fundo dos meus olhos, neles só vejo refletida a superfície de minha alma rasa, sem um simples sinal, uma simples dica daquilo busco.

Quem sabe já não o tenha encontrado, mas pelo erro de não o saber, não entendi que era exatamente aquilo? Acho difícil encontrar algo que não se sabe o que é, buscar então parece-me impraticavelmente impossível... mas continuo, não tenho opção; meu corpo anseia, minhas mãos suam, minha mente chega a exacerbar-se e meu coração então parece querer saltar pela boca. Isso tudo ao simples pensar que sei, que busquei, que encontrei.

Mas nunca o é. Como disse, talvez até fosse, mas como poderia eu saber?

O que será que busco? Poderia ser o “amor”? Ah, o agradável, belo, perfeito enamorar-se, encontrar alguém por quem valha a pena abandonar sua própria razão, por quem viver sem medos e rancores, sem dores, longe de todos e de tudo o mais, queria eu ser capaz de abandonar os frutos do mundo tendo em troca apenas um coração cheio de alegrias, um sorriso sincero ao amanhecer, uma só pessoa que conseguisse encarnar todas as necessidades do meu ser.

Quem sabe fosse até possível encontrar alguém assim; e, talvez, já até tenha encontrado. Mas, pobre de mim, nem sei se é isso que procuro.

Quem sabe fosse a “razão”? Um saber tão forte e superior que me fizesse abandonar as dores do coração e sorrir apenas por me reconhecer como sou; um incrível poder de intelectualizar, racionalizar, recordar todas as ações – minhas e de outros – mas se disso fosse capaz, o que seria de mim? Com certeza não viveria assim, quiçá nem mais viveria, já que tudo pensaria saber, saberia tanto que entenderia a não existência do meu ser e simplesmente me abandonaria para permitir que algo bem maior, mais importante, canalizasse essa energia e pusesse em movimento algo ou alguém que saiba o que quer, diferente de mim que continuo a buscar o que buscar.

Não sei o quê, pensei até que poderia ser a “dor”, mas não! Essa, diferente da razão e do verdadeiro amor, certamente já encontrei diversas vezes. Já senti, já vivi, já superei e tornei a encontrar. Com ela, na verdade, acho que é o contrário o que acontece: é ela que me busca sem parar, me faz desacreditar e até mesmo esquecer as certezas que penso ter.

Como aquela vez que pude desviar meu olhar e ao invés do meu olhar, refletido no lago, pude ver o universo; Uranos a me abraçar com todo o seu carinho e Gaia a me sustentar, ambos sussurrando em uníssono, com minha própria voz, aos meus ouvidos: “Não olhe para dentro até que entenda toda a profundidade do universo”.

Não entendo como seria capaz, todo o universo em um só ser, o infinito em um, o infinito para um é algo descabido, a menos que se esteja pré-entendido que o um é o todo e o tudo não é nada mais que o nada.

Mas isso não consigo ainda entender... além do que, meus olhos – os quais o lago reflete – apenas refletem a superfície do meu ser. E o meu ser, esse sim, talvez soubesse responder todas essas perguntas. Quem sabe um dia eu o venha conhecer.