2011/07/31

Eu menino

Sempre sonhei que um dia encontraria meu Destino, mas esse menino me vive fugindo entre os dedos como se minha existência fosse para ele uma simples brincadeira. Talvez queira me fazer entender algo... Talvez ele tenha algo a me dizer... às vezes ouço em minha mente um sussurro que não hesita ao afirmar que nada nesta vida tem valor, tudo é efêmero... que nada nesta vida é real, tudo é provisório... que nada nesta vida tem amor, tudo é amor.

Ainda não sei, mas queria ao menos uma vez encontrá-lo e perguntar então, cara a cara, para onde os sonhos se vão... será que há um lugar onde tudo se encontra?.. E se, um dia, deixar de sonhar para onde irá meu coração, perderá a direção ou simplesmente não terá condição de continuar a bater? Alguém sabe dizer?

Não?! Talvez o Destino... mas não encontro esse menino.

Ouvi dizer que ele estava se escondendo em um lugar que só me é frio: a minha própria sombra. Aqui, sempre comigo, e que quando me permito posso ouvi-lo sussurrar um caminho a seguir. Se assim for, quanta ousadia!, estar à mostra assim, em plena luz do dia. Isso seria bem a cara dele mesmo, mas não sei, ainda não o consigo enxergar.

Ele, eu sei, me observa... a cada momento, cada passo, cada dia que se passa; enxerga cada dor em meu coração e cada dúvida em minha mente. Será que se sente contente? Ou será que se fere com as minhas feridas? Ou será ainda que é capaz de cair doente como qualquer outro menino que se arrisca por uma aventura, um momento de alegria qualquer?

Arriscar-se-ia em perder o poder de ser quem é simplesmente para acompanhar-me ou sou ainda muito pouco? Se é que me sente, compreende, por que não me explica como seguir? Por que não diz simplesmente o que preciso fazer?

“Ele diz”, dizem-me... O menino, Destino – dizem-me – fala-me sempre através dos sinais que coloca em meu caminho... e nunca se afasta. Nos momentos em que perco a consciência de quem sou ele ganha a possibilidade de viajar distante, mesmo que por instantes, pode se libertar e se quisesse poderia até não voltar... mas na verdade, ele nunca vai aonde quer, tão preocupado que é, vai somente me buscar, me trazer de volta ao meu lugar.

É uma criança diferente, esse tal Destino, não brinca, só trabalha... e eu, que pensava ser adulto, agora busco compreender que há uma criança tentando alcançar meu peito, tentando me ensinar... realmente, devo estar muito perdido. Ou o mundo deve estar muito errado do jeito que está... uma criança a me ensinar, a me seguir, a me falar... e eu sem ao menos conseguir ouvi-la.

O mundo deve estar muito errado... Nada deve estar no lugar... Muito menos eu... que nem ao menos sei quem sou. Mas quem seria eu se dissesse se sim ou se não? Quem seria eu se conseguisse me decidir entre um lado ou outro? Quem seria eu se soubesse escolher o caminho a seguir? Quem seria eu se soubesse quando estou certo ou errado? Talvez – e isso é algo que só me ocorre agora – me tornasse meu próprio Destino. Eu, que sonho!, seria ainda menino, com toda a força no coração e toda a certeza que a inocência permite.

Seria eu Destino, seria eu menino novamente a me dizer: renasce, cresce, sonha, vive. A cada dia.

2011/07/28

"(...) Negras nuvens avançam desde o horizonte, mas ainda não chegou a hora da tempestade... E quando esta chegar nada temeremos, mas na violência dos acontecimentos trataremos de fazer o melhor... e, quem sabe, talvez a nossa alma sorria no meio de um mar de dificuldades e angústias, como faz um valente e experiente capitão desafiando a tempestade."

Viagem iniciática de Hipátia, José Carlos Fernández
Cap. I, A chamada do destino

2011/07/26

Concreto

Ouço o riso dos rios distantes, a água que meu sentido da inércia iminente me impede de desejar, cristalina como minha própria alma deveria ser, pura como minhas próprias vontades, fresca como minha própria mente e inalcançável como meus próprios sonhos, dos quais faz parte e dos quais é, se não o mais belo, o mais real.

À minha volta tudo é verde, tudo é escuro e sem brilho, e o que um dia não foi, torna-se agora sufocante.

Tudo muda ao meu redor, tudo cresce e, apesar do meu poder de transmutação, não me deixo renovar, apenas escondo-me atrás das estranhas máscaras desenhadas pelo mundo e trato de lucrar com o que eu mesmo não sei calcular o valor: vendo os peixes de um rio onde eu mesmo não ousei nadar, os quais eu mesmo não consigo alcançar e tampouco comer.

E ainda assim ouço o rio a sorrir e os ouço juntos levados pela fraca correnteza da vida que pode ser vencida facilmente por eles ao que empreguem um pouco de força em sentido contrário ao das águas. Por isso se põe a sorrir, por isso se põe a brincar, por isso se põe a VIVER! Como eu quis... como eu não vivi... e, no fundo de meu mais puro sentimento de egoísmo, invejo-os e os odeio mais que a mim mesmo por sua simples felicidade, por terem de forma tão fácil a água que os envolve e os carrega enquanto quiserem ser carregados mas que não os impede de voltar ou de seguir em outra direção se já não quiserem mais obedecer ao tempo, enquanto eu sigo apenas com essa água salgada ao meu redor que parece querer me afogar... eu, que um dia sonhei poder ser nadador, nado agora em minha própria dor.

Olho ao longe o infinito tão doce que reflete, pela luz, no verde ao meu redor, o que pouco posso ver e me causa medo... medo do crescer, medo do querer ver de onde vem esta luz realmente se o que vejo é apenas um reflexo do real, escondo-me ao submergir de idéias e aceito outras que me são impostas pela natural necessidade de me enganar.

Deste mar escorrido de meus olhos forma-se um novo mundo, com todo um ecossistema interdependente, do qual, apesar de ser eu Deus, vivo a ser o ser mais dependente e frágil.

O criador, a própria razão de existir de todos os outros: vontade, desespero, dores, desilusões, medos, frustrações, desejos e sonhos, todos os que passaram a existir por este triste ecossistema de melancolia e luta eterna pela sobrevivência que talvez não valha a pena.

Aquele que precisa ouvir de sua própria criação que é importante para que não se deixe afogar.

Aquele que ouve do universo os mais belos desejos, os mais concretos sonhos. Todas as vontades realizadas, tudo o que não era e se tornou, todo o impossível acontecido, tudo que foi ilusão e agora é real. E só consegue pensar: o que fiz de concreto nesta vida?

E eu, o que tenho de concreto nesta vida?!

Nada, apenas este chão que me prende na “estaticidade” de me ser. De onde não posso fugir pela natureza. Já que minhas raízes aqui estão, meu princípio e meu fim também. Este é o meu lugar e nunca deixarei de ser verde e nem me tornarei tão alto que possa vencer os demais que me sufocam para ver o verdadeiro horizonte. Olhar ao real sol e não apenas à luz que dele emana, à vida que a partir dele se faz viver.

Não deixarei o passado ser esquecido por ser tão recente, nem buscarei mais nobre futuro, vivo em uma eterna crise existencial, por ora sou a certeza a qual me refugio e da qual dúvidas podem haver, sou pedra, sou planta, sou animal, sou homem, sou mundo, sou sol. Sou meu próprio Deus, sou eu próprio, por maior insignificância que possa haver em dizer isto com orgulho: sou a distância entre o que fui e o que serei.

Sou o que deve ser mudado, moldado, levado em outra direção. Preciso ser carregado, pois por mim, de mim, não abandonarei minha terra que sempre supriu minhas necessidades, que me deu alimentos de onde veio a energia para sobreviver, apesar de toda ela ter saído de mim e ter sido criada pela minha própria fantasiosa necessidade de não me deixar só.

Apesar do meu desejo, meu mar salgado, profundo, não se deixa tocar em momento algum pela doce correnteza do rio que ouço distante e todo o verde partido de mim apenas me ajuda a sufocar e a revelar quem sou realmente, mesmo que tema me viver, temo e teimo mais em ser o que mais odeio e não mudar por ser tolo e fraco demais.

Não cresço, não crescerei, passe inverno, primavera, verão, outono, outro ano; passe o que passar, passe o mundo que gira sem parar, passe o sol trezentas e sessenta e cinco vezes sobre minha cabeça e eu ainda não terei me erguido para olhá-lo nos olhos.

Apenas olharei ao meu redor todos os ex-verdes amadurecidos, todos os ex-medos superados, todos os ex-sonhos realizados, todos...

Todos têm algo de novo a contar, todos têm o que ensinar e a quem ensinar...

Ensinar realmente e não apenas mostrar como se pode, facilmente, enganar a si mesmo de que o peixe que vende é o mais valioso entre todos, mais saboroso, mais belo, mais ágil; mesmo que nunca o tenha visto, mesmo que nunca tenha provado de sua carne o sabor, mesmo que nunca tenha nadado ao seu lado, mesmo que nunca tenha tido contato com a água doce que o faz rir.

Todos cresceram e eu, apenas com que há de abstrato, porque, de concreto, na minha vida, só tenho a certeza de que não conquistei nada.

2011/07/24

“O milagre é que o universo tenha criado uma parte de si mesmo para observar o resto, e que essa parte, ao observar-se a si mesma, tenha descoberto o resto do universo em suas próprias realidades naturais internas.”

John C. Lilly

2011/07/17

"_ A fé exclui a liberdade.
"_ Mas, a fé deve surgir da confirmação dos fatos, como mensageira e áugure de outros mais elevados resultantes dos primeiros, e não como uma força oposta a tudo o que é razoável, contrária a qualquer progresso, inimiga dos que sentem, dos que pensam e dos que amam. Se a doutrina cristã é forte, porque é que, em lugar de matar e perseguir todo aquele que não a professe, não o rebate e humilha com o peso da verdade, através da razão, da pureza e amor dos seus ministros? Arrancai já todos esses dogmas de afirmações ridículas que Nosso Senhor jamais ensinou, e colaborai com a filosofia ou como lhe quiserdes chamar, na busca da realização, para além das formas em dissonância! Meu irmão, o mundo está enjoado do "faz isto e não olhes para o que eu faço". Menos conselhos e mais exemplos!"

O Alquimista, Jorge Angel Livraga
Cap. IV, A coroa de raios

2011/07/14

"_ Posso saber por que estou acorrentado?
"_ Estranho ser é o homem! Mal lhe acorrentam os pulsos ou o retêm um par de dias, logo clama desesperado por liberdade, mas sente prazer em auto-acorrentar-se e em auto-encarcerar-se nas suas paixões, vícios e ignorâncias. O homem transformou o seu corpo num cárcere e, apesar dos sofrimentos, não deseja abandoná-lo..."

O Alquimista, Jorge Angel Livraga
Cap. II, As ruínas

2011/07/09

"Quando o mundo cede ao que está em volta, quando as estruturas de uma civilização vacilam, é bom lembrar aquele que, na história, não se dobrou e sim, ao contrário, adquiriu mais coragem, reuniu os separados, pacificou sem ferir. É bom lembrar que o gênio da criação também fez o melhor que pôde numa história destinada à destruição."

Remerciement à Mozart, Albert Camus
L'Express, 1956

2011/07/06

"Salieri produzia música, em Mozart ela morava."

Mozart, Christian Jacq
Vol. IV: O Amado de Ísis - Cap. 51