2024/02/18

2020/06/13

Castanhos

Havia sobre a luz algo
que não pudesse ser descrito.
Uma forma de beleza e dor que faz cerrar o mundo
para além dos olhos, a alma. Como um sonho.
Uma força que atrai para dentro de si os pensamentos
e devolve certezas incômodas como as que
somente o tempo deveria ser capaz de trazer.
Daquelas das quais busca-se fugir sem forças
enquanto multiplicam-se em desejos,
surgem cores que luzem por onde são.
E já não se quer voltar.
Já não se quer olhar em outra direção
pois não há nada tão belo.

2020/04/18

Bergman e os sons diegéticos

A diegese é a realidade interna da narrativa. Para uma história ser contada, ela depende da união de dois universos: o universo dos personagens, ou diegético, e o universo para além deles, ou não-diegético. 

As músicas fazem parte do cinema desde (quase) o seu princípio, sendo em geral não-diegéticas; elas servem aos espectadores, e não aos personagens. Quando ainda não era possível a gravação de sons junto das imagens, pianistas - e até orquestras, em alguns casos - eram contratados para executar seus instrumentos junto à exibição do filme, auxiliando a compreensão da plateia.

É tão natural o costume de perceber as músicas em uma obra audiovisual como um guia, uma indicação de sentimentos, de intenções, de contexto, que quando isso é retirado de uma obra, apesar de torná-la mais fiel à nossa realidade, nos traz uma imensa estranheza. E é exatamente isso que Ingmar Bergman faz em seu Sonata de Outono, ou, no original, Höstonaten [1978, Suécia].

A obra retrata um curto período de convivência entre Charlotte, uma grande musicista que praticamente abandonou a família em busca de fama, e sua filha, Eva. Mesmo com um contexto musical, somente duas músicas são executadas durante os 87 minutos de filme e, ainda assim, de maneira diegética, o Prelúdio Op. 28, nº 2 de Chopin - que dá nome ao filme - interpretado de duas formas diferentes pelas protagonistas ao piano em uma das cenas que melhor descreve a natureza de sua relação, e a Suíte nº 4 em Mi bemol de Bach, interpretada ao cello por um outro personagem bastante relevante à trama.

Bergman utiliza somente os sons de cena como efeitos e somente a execução dos instrumentos pelos personagens como inserções musicais. Nada é ouvido que não seja visível em tela. Não existe música para quebrar a tensão nem para elevá-la. Não existe música para facilitar a transição de quadros. O que se ouve são somente os passos, as conversas e os lamentos dos personagens.

O filme soa cru, assim como nossa vida. Sem dúvida uma escolha ousada e maravilhosa que precisa ser apreciada por quem se interessa pelo universo audiovisual.


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Pretendo continuar estudando a evolução da diegese em Bergman, pois parece ter sido um processo criativo que foi evoluindo com o tempo. Se você conhece outras obras que utilizem sons diegéticos de maneira semelhante, por favor, comente.

2020/04/16

Casa vazia

Chove.
Ainda que não veja o céu,
chove. A vida que se infiltra em todos os lugares
fragiliza-me os alicerces, irrompe concreto,
separa cimento-areia-brita, estremece meus eus
abalando ais como se já não fossem mais que ferrugem.

Certezas que tive precisam de outra demão,
cor por cor coberta para se manter.
Paredes por vezes despedaçadas em lascas
delicadas e sutis, se esvaem que só pó
e onde antes havia barreiras se faz amplo.

A luz não entra,
o claro é fruto da imaginação,
sonho, desejo, perdão-mistura-de-tudo,
pois chove. Ainda que não veja o céu
consigo ouvir seus lamentos,
sentir seu esforço em me penetrar
e me preencher.

Como me mantive de pé por tanto tempo
se oco, o que reside além de mim?

2020/01/21

"Pai médico, mãe advogada, filho único, escola particular, aula de inglês e de alemão. Roupa de marca, tênis colorido, último smartphone. Fone de ouvido profissional, desses que as celebridades exibem. Cabelo bem pintado, perfume, óculos de sol. Bom gosto de quem usa o que é bonito, sem importar se é caro ou barato. E todo fim de tarde, quando andava pelo calçadão, quem vinha da outra mão mudava de calçada."

Quando me descobri negra, Bianca Santana

2020/01/20

"E se o universo sempre existiu, em um estado ou condição que nós ainda não sabemos identificar - um multiverso, por exemplo, que continuamente gera universos? Ou se o universo apenas surgiu do nada? Ou se tudo que conhecemos e amamos for apenas uma simulação de computador criada para entreter uma espécie alienígena superinteligente?"

 [tradução livre] 
Astrophysics for people in a hurry, Neil deGrasse Tyson

2020/01/14

"A gente só ficou se olhando e foi como se a gente estivesse repassando mentalmente tudo que ia acontecer dali para frente".

Como ser um rockstar, Guga Mafra

2020/01/07

"Aos poucos, fui entendendo que essa raiva toda de míseras letras que juntas escancaravam o meu problema apenas mostrava a vergonha que EU sentia da situação. Com a maturidade, vi que não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer para ter uma audição perfeita e que seguir me sentindo mal por isso era insensatez. Existe algo mais vergonhoso do que envergonhar-se de si mesmo? Não, não existe. E não, eu não pretendia ser esse tipo de pessoa."

Crônicas da surdez, Paula Pfeifer

2019/08/20

"O enfraquecimento de nossas normas democráticas está enraizado na extrema polarização partidária - que se estende além das diferenças políticas para um conflito existencial sobre raça e cultura. E se uma coisa fica clara ao se estudar colapsos ao longo da história, é que a extrema polarização pode matar democracias."

[tradução livre] 
How democracies die, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

2019/05/25

"Há uma teoria que indica que sempre que qualquer um descobrir exatamente o que, para que e porque o universo está aqui, o mesmo desaparecerá e será substituído imediatamente por algo ainda mais bizarro e inexplicável... Há uma outra teoria que indica que isto já aconteceu."

O guia do mochileiro das galáxias vol. II: O restaurante no fim do universo, Douglas Adams