2011/07/26

Concreto

Ouço o riso dos rios distantes, a água que meu sentido da inércia iminente me impede de desejar, cristalina como minha própria alma deveria ser, pura como minhas próprias vontades, fresca como minha própria mente e inalcançável como meus próprios sonhos, dos quais faz parte e dos quais é, se não o mais belo, o mais real.

À minha volta tudo é verde, tudo é escuro e sem brilho, e o que um dia não foi, torna-se agora sufocante.

Tudo muda ao meu redor, tudo cresce e, apesar do meu poder de transmutação, não me deixo renovar, apenas escondo-me atrás das estranhas máscaras desenhadas pelo mundo e trato de lucrar com o que eu mesmo não sei calcular o valor: vendo os peixes de um rio onde eu mesmo não ousei nadar, os quais eu mesmo não consigo alcançar e tampouco comer.

E ainda assim ouço o rio a sorrir e os ouço juntos levados pela fraca correnteza da vida que pode ser vencida facilmente por eles ao que empreguem um pouco de força em sentido contrário ao das águas. Por isso se põe a sorrir, por isso se põe a brincar, por isso se põe a VIVER! Como eu quis... como eu não vivi... e, no fundo de meu mais puro sentimento de egoísmo, invejo-os e os odeio mais que a mim mesmo por sua simples felicidade, por terem de forma tão fácil a água que os envolve e os carrega enquanto quiserem ser carregados mas que não os impede de voltar ou de seguir em outra direção se já não quiserem mais obedecer ao tempo, enquanto eu sigo apenas com essa água salgada ao meu redor que parece querer me afogar... eu, que um dia sonhei poder ser nadador, nado agora em minha própria dor.

Olho ao longe o infinito tão doce que reflete, pela luz, no verde ao meu redor, o que pouco posso ver e me causa medo... medo do crescer, medo do querer ver de onde vem esta luz realmente se o que vejo é apenas um reflexo do real, escondo-me ao submergir de idéias e aceito outras que me são impostas pela natural necessidade de me enganar.

Deste mar escorrido de meus olhos forma-se um novo mundo, com todo um ecossistema interdependente, do qual, apesar de ser eu Deus, vivo a ser o ser mais dependente e frágil.

O criador, a própria razão de existir de todos os outros: vontade, desespero, dores, desilusões, medos, frustrações, desejos e sonhos, todos os que passaram a existir por este triste ecossistema de melancolia e luta eterna pela sobrevivência que talvez não valha a pena.

Aquele que precisa ouvir de sua própria criação que é importante para que não se deixe afogar.

Aquele que ouve do universo os mais belos desejos, os mais concretos sonhos. Todas as vontades realizadas, tudo o que não era e se tornou, todo o impossível acontecido, tudo que foi ilusão e agora é real. E só consegue pensar: o que fiz de concreto nesta vida?

E eu, o que tenho de concreto nesta vida?!

Nada, apenas este chão que me prende na “estaticidade” de me ser. De onde não posso fugir pela natureza. Já que minhas raízes aqui estão, meu princípio e meu fim também. Este é o meu lugar e nunca deixarei de ser verde e nem me tornarei tão alto que possa vencer os demais que me sufocam para ver o verdadeiro horizonte. Olhar ao real sol e não apenas à luz que dele emana, à vida que a partir dele se faz viver.

Não deixarei o passado ser esquecido por ser tão recente, nem buscarei mais nobre futuro, vivo em uma eterna crise existencial, por ora sou a certeza a qual me refugio e da qual dúvidas podem haver, sou pedra, sou planta, sou animal, sou homem, sou mundo, sou sol. Sou meu próprio Deus, sou eu próprio, por maior insignificância que possa haver em dizer isto com orgulho: sou a distância entre o que fui e o que serei.

Sou o que deve ser mudado, moldado, levado em outra direção. Preciso ser carregado, pois por mim, de mim, não abandonarei minha terra que sempre supriu minhas necessidades, que me deu alimentos de onde veio a energia para sobreviver, apesar de toda ela ter saído de mim e ter sido criada pela minha própria fantasiosa necessidade de não me deixar só.

Apesar do meu desejo, meu mar salgado, profundo, não se deixa tocar em momento algum pela doce correnteza do rio que ouço distante e todo o verde partido de mim apenas me ajuda a sufocar e a revelar quem sou realmente, mesmo que tema me viver, temo e teimo mais em ser o que mais odeio e não mudar por ser tolo e fraco demais.

Não cresço, não crescerei, passe inverno, primavera, verão, outono, outro ano; passe o que passar, passe o mundo que gira sem parar, passe o sol trezentas e sessenta e cinco vezes sobre minha cabeça e eu ainda não terei me erguido para olhá-lo nos olhos.

Apenas olharei ao meu redor todos os ex-verdes amadurecidos, todos os ex-medos superados, todos os ex-sonhos realizados, todos...

Todos têm algo de novo a contar, todos têm o que ensinar e a quem ensinar...

Ensinar realmente e não apenas mostrar como se pode, facilmente, enganar a si mesmo de que o peixe que vende é o mais valioso entre todos, mais saboroso, mais belo, mais ágil; mesmo que nunca o tenha visto, mesmo que nunca tenha provado de sua carne o sabor, mesmo que nunca tenha nadado ao seu lado, mesmo que nunca tenha tido contato com a água doce que o faz rir.

Todos cresceram e eu, apenas com que há de abstrato, porque, de concreto, na minha vida, só tenho a certeza de que não conquistei nada.

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